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O Namorado da minha Filha

A Fátima é mãe de uma adolescente de 17 anos, a Marta. Vivem as duas, o pai da Marta vive longe há alguns anos, desde o divórcio do casal e o contacto é esporádico. A Fátima traz a Marta à consulta e desde os primeiros minutos de conversa é possível identificar que há discórdia entre mãe e filha relativamente ao tema "namoro". A Fátima, mãe, quase de costas voltadas para a Marta, explica-me que não gosta do namorado da filha: "- É preguiçoso, ciumento, uma má influência para a Marta. Não tem objectivos, não tem grandes interesses." A Marta permanece calada, é uma miúda sensível, com uma expressão triste, encolhe os ombros perante as afirmações da mãe e só fala quando questionada. A Fátima esclarece: " - Estou preocupada, quero o melhor para a Marta e sei que este não é o rapaz para ela, não traz nada de bom." Percebo ao longo da nossa conversa, com a ajuda de ambas, que se relacionam num jogo entre a cumplicidade e a discórdia, a preocupação mútua e a distância criada pela diferença geracional e vivências de cada uma, que a Fátima se recusa a conhecer o namorado da Marta, afirma não conseguir estar com ele e não querer fomentar de forma nenhuma a interacção e convívio com o namorado da filha: " - Não quero, nem consigo, não vou nunca aceitar." A Marta fica só comigo. Fica de imediato com os olhos molhados, agitada com as afirmações da mãe e também com a partilha dos episódios que a constrangeram: " - A minha mãe não quer aceitar, nem quer sequer conhecê-lo melhor. Às vezes, quando percebe que estou a falar com ele, grita comigo e faz com que eu desligue o telefone. Fico triste, preocupada, sinto-me sozinha. A verdade é que não quero a minha mãe longe, distante mas nunca consegui ter um namorado e pela primeira vez, sinto que consigo ser eu mesma com alguém e sinto-me gostada." Nas partilhas que vão fazendo, compreendo a história relacional da Fátima, marcada por desgostos, relações com o sexo oposto pouco felizes, vivências de pouca ou nenhuma confiança. Compreendo e sinto uma mãe preocupada, uma filha que pela primeira vez se sente e se permite ser gostada, e que não quer prescindir disso neste momento, mas uma relação mãe-filha cada vez mais distante e desgastada. Uma relação que sempre foi próxima, de companheirismo, nalguns momentos talvez mais do que o necessário, de duas mulheres, uma grande e outra mais pequenina, ou quem sabe as duas pequenas, unidas, mas com um distanciamento cada vez maior perante a primeira relação amorosa da mais nova, da filha. A Fátima fica sozinha comigo, a Marta sai por momentos: " - Ela está a deixar tudo de lado por causa dele, parece que só ele interessa e eu irrito-me, aquilo não vai dar nada, ela tem de perceber e enquanto não percebe, eu aborreço-me com ela. Mas é porque me preocupo e tenho de fazer qualquer coisa." Em casa, percebo que se antes conversavam muito e partilhavam tudo, actualmente não acontece. A Marta fala muito com o namorado e a Fátima perante o silêncio maior da filha e a reprovação do namoro, deixou praticamente de lhe falar e mostra desagrado quando a Marta tenta falar com ela e partilhar alguns acontecimentos, especialmente relativos ao namorado. A Marta chora por isso e diz que se sente desprezada, como se a mãe estivesse a culpá-la por uma coisa que, por enquanto é boa. É neste jogo, em que sinto que parece que alguém tem de ganhar, que é preciso parar, a mãe e a filha, mas por mais que custe, especialmente a mãe. Parar a mãe e confrontá-la, num exercício tranquilo, sem culpabilização, de algum distanciamento emocional da situação, com o que pretende (intenção) e o que está realmente a conseguir (resultado). Rapidamente, juntas percebemos que a intenção é a melhor: a preocupação com a entrega total da filha Marta, frágil, a alguém que não merece e "não serve" para ela, movida também pelos próprios receios da mãe enquanto mulher, mas que o resultado está a ser o pior: o aumento constante do distanciamento entre ambas, o isolamento da Marta em casa, a possibilidade de, se realmente o namorado não é bom, o pedido de ajuda ou desabafo não ser feito à mãe, porque se gerou uma batalha e não um apoio e suporte. De repente, torna-se claro para a Fátima, enquanto mãe que terá de ser a primeira a parar, se quer então levar a sua intenção da melhor forma, alertando que é momento de saber que já não será fácil ou pelo menos, não produtivo, proibir, censurar, desprezar, porque são 17 anos e não 7. É tempo de orientar, aconselhar sem julgar, apoiar, estar por perto e disponível, optando por ouvir coisas feitas que fazem dar a volta ao estômago, mas dessa forma é mais eficaz. A Fátima confundiu estar ao lado da Marta, com o receio de estar a aprovar, como que a dizer: " - Continua porque ele te trata mal e eu estou ao teu lado como se nada fosse.", e isso foi afastando-a da filha e a filha da Fátima. A Marta percebeu as intenções da mãe e reconheceu que, ainda que aos 17 anos, não seja sempre fácil, ainda mais quando se está apaixonada e nos sentimos admiradas e que o merecemos pela primeira vez, sabe que está "muito agarrada" a este namorado e que se tem afastado ou deixado de lado algumas coisas importantes e que o facto de nunca ter gostado muito de si mesma pode ser um factor de risco para relações menos boas. No entanto, aos 17 anos, neste caso, não é fácil ser objectiva ao ponto de deixar aquele que nos admira, nos elogia e nos faz sentir especial. Às vezes, nem aos 47. Parece difícil, e é mesmo, para a mãe Fátima continua a ser, mas com muito esforço e o confronto com o que estava realmente a acontecer, aproximou-se da Marta novamente. As discussões diminuíram, continua a não gostar do namorado da filha e a ter dificuldade em ouvi-la falar sobre ele. No entanto, a Marta fala dele, partilha o que é tão bom, mas também já partilhou o que correu mal e abriu-se assim a oportunidade, para agora sim, a intenção de mãe começar a ser realmente cumprida, da melhor forma possível aos 17 anos: orientando, aconselhando, não julgando e estando sempre ali, para escutar e se for preciso, sim, também abraçar, mesmo que o que esteja na cabeça de mãe seja: "- Eu já sabia, bem te avisei." Afinal, que bom seria que também as mães aos 40, 50 ou 60 pudessem ter um abraço da sua mãe, que escuta, não julga e ainda orienta, mesmo quando é um disparate.

Rita Castanheira Alves

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