A Francisca*, uma adolescente com ataques de pânico
A Francisca tem 16 anos. Foi, desde o início do seu percurso escolar, uma excelente aluna, aparantemente sem grandes dificuldades e sem muito estudo. Sempre lhe disseram que com os resultados que obtinha, Medicina seria para ela e que conseguiria. Desde pequena que se lembra de dizer que vai ser médica, mas em consulta revela desde início um interesse especial pelas Artes, sejam elas mais gráficas, mas também pela dança.
Dança e desenha nos tempos livres, embora agora "quase nada, porque tenho de me aplicar para manter as médias!"
Chega à consulta acompanhada pelos pais, porque de há 2 meses para cá, sem causa aparente, começou a sentir falta de ar, as mãos e os pés dormentes, palpitações. A primeira vez que aconteceu motivou uma ida ao hospital onde, após vários exames, não foram encontradas causas físicas para os sintomas descritos.
O pai refere que a Francisca sempre foi muito competente e que quer sempre fazer tudo a que se propõe e acha que o que ela está a sentir tem que ver com a pressão que ela põe em si própria. A mãe não concorda. Acha que a Francisca fez sempre tudo sem esforço e que, se quiser, tem tempo para tudo, mas tem de ter prioridades.
Na presença dos pais, a Francisca aparenta estar bem disposta, partilha que ambos os pais também são ansiosos e não percebe porque motivo lhe aconteceu "aquele" ataque e que agora ficou com medo que aconteça novamente e sem estar à espera. Diz que não há motivos para estar nervosa, que é claro que tem de estudar para manter médias e entrar em Medicina e que só está cansada.
Sozinha comigo, chora de imediato. Diz que não sabe porque está a chorar e que não gosta nada. Com o tempo, espontaneamente e a chorar partilha a paixão pela dança, mas de imediato, limpa as lágrimas e diz que é mesmo só uma coisa de tempos livres, que ninguém tem futuro e que os pais têm razão nisso. Conseguimos perceber juntas que a expectativa criada por si e pelo contexto de um caminho definido e valorizado, está a criar um conflito para a Francisca, nos seus 16 anos, num momento em que a construção da(s) sua(s) identidade(s) está no auge dos temas do seu cérebro. Há um conflito interno entre o que se espera, o que interiorizou que deve e o que quer, um receio enorme de desiludir, de errar. E há também uma Francisca que raramente desabafa, que é vista como a bem-disposta, prática, sem stress e sempre bem sucedida. Mas há emoções que estão presas e quer a Francisca queira, quer não, o corpo gritou, disse-lhe que há algo que não está bem. É como uma "febre emocional", diz-nos que algo está "inflamado".
É preciso ajudá-la e à família a dar voz ao que está atrás da febre, perceber a função do sintoma e o que ele está a dizer.
Há um caminho a fazer, na intervenção, fundamental para que os sintomas não evoluam e não se tornem mais graves, mas muito a tempo porque há um cérebro com uma grande plasticidade neuronal e um conjunto de caminhos que poderão ser explorados, descobertos e quem sabe, a vida não toma outro rumo que não aquele que se pensaria ser o melhor.
Afinal, reinventar, mudar os planos, crescer é parte da vida.
*nome fictício
Fonte: https://ansiedadnuncamas.com/