A ansiedade é precisa!
Há duas semanas estive presente no I Simpósio de Ansiedade do PIN e o meu desafio foi fazer uma comunicação sobre a ansiedade normativa e o papel preventivo da família e da comunidade.
Quase como se rebobinássemos a fita de uma cassete e começássemos a ver o filme ou a escutar a música do início para compreendermos, montando um puzzle, quando uma determinada ansiedade se tornou numa perturbação de ansiedade.
E isso interessa e muito, para que possamos prevenir, conhecendo o que é normativo, ou seja, esperado, está dentro do desenvolvimento dito normal, para que consigamos depois promover estratégias e ferramentas de saúde mental para que a ansiedade não se torne patológica e a partir daí passe a ser uma perturbação de ansiedade, a qual interfere fortemente no funcionamento da criança, adolescente e depois do adulto.
Percebo, pela prática clínica diária com crianças, adolescentes e pais/cuidadores, que é um desafio difícil detectar sinais de alerta e acima de tudo, saber o que fazer para que enquanto adulto se seja um agente de protecção que ajuda a que os sintomas não evoluam e não um elemento de risco, que potencia esses sintomas, claro, sem intenção. É por isso, fundamental, que nós técnicos consigamos que mais informação sobre o que é esperado e normativo e o que fazer com isso chegue aos que têm o grande desafio de ajudar a crescer os miúdos.
Deixo assim alguns aspectos fundamentais a ter em conta para que possamos estar continuamente numa esfera do nervoso miudinho e não passar para o lado do nervosíssimo.
A ansiedade é precisa!
A ansiedade é uma emoção necessária, fundamental, que nos permite sobreviver, lidar com a adversidade, estarmos alerta perante o perigo e mobilizarmo-nos para nos defendermos, agirmos, mudarmos.
O exemplo que costumo dar aos miúdos é perguntar o que fariam se estivesse um tigre selvagem na sala onde estamos. Os mais novos, especialmente rapazes, dizem com frequência que enfrentariam o tigre, ou lhe davam uma cabeçada, ou até usariam os poderes mágicos... Naturalmente movidos pela ideia de que deverão ser fortes, corajosos, não ter medo de nada... Nada mais errado em termos de sobrevivência. Mas muitas vezes, nós adultos é que fomentamos, mesmo sem querermos, esta ideia.
Então, é preciso dizer-lhes que é fundamental ter ansiedade para não serem atacados pelo tigre, é preciso sentir para que possamos garantir a nossa sobrevivência. E isso é verdade para tantas outras tarefas e desafios das nossas vidas: fazer um teste, ir a um encontro importante, ter uma apresentação, ir a uma entrevista, ler para os colegas pela primeira vez...
Por isso, normalizar a ansiedade que é normativa, funcional, necessária é, antes de tudo, fundamental.
Emoções, emoções, todos os dias emoções. Sentir é normal!
Estudos na área do desenvolvimento emocional têm mostrado que a literacia emocional está na base do sucesso seja académico, profissional, como pessoal e que saber lidar com emoções ditas negativas é parte desse caminho para o sucesso.
A verdade é que somos pouco treinados para nos permitirmos sentir e permitir os outros sentir. Não gostamos de ver ninguém triste, assustado, zangado, muito menos os miúdos e a tendência é lidar com tudo isso, suprimindo, ignorando, distraindo... Há momentos que são mesmo para sentir e há vivências emocionais que têm de acontecer para que consigamos uma boa saúde mental e um desenvolvimento adequado nos restantes níveis. As emoções são protectoras, ajudam-nos a colorir a vida e a saber escolher o que é bom para nós e a afastar o que nos faz mal.
Por isso é fundamental aprendermos e ensinarmos a sentir. Legitimar as emoções, aceitar e ajudar a aceitar emoções mais difíceis, partilhar emoções e dar sentindo às experiências. Sempre.
Os adultos e a ansiedade
Antes de estarmos alerta e a ajudar os miúdos a lidar com a ansiedade, há que olhar para nós, adultos. Como é a nossa relação com a ansiedade? Que sinais tenho? Como tenho lidado?
E identificando dificuldades, sintomas mais severos ou até mesmo tendo um diagnóstico, é fundamental lidar com tudo o que daí vem, regularmo-nos primeiro a nós, para depois ajudar os miúdos. E sim, vai sempre a tempo e a eficácia depois na ajuda aos miúdos é muito maior. Por isso, primeiro cuide da sua ansiedade, e de outras emoções mais...
Pedir ajuda, receber ajuda, dar ajuda - Juntos somos melhores e muito mais preventivos
Os miúdos passam muito tempo na escola, com outros adultos que os ajudam também a crescer. Mesmo que os pais e as mães possam estar muito atentos e presentes, nem sempre é possível estarem alerta para determinados sinais ou sintomas, que os agentes educativos e técnicos, por vezes, estão mais, porque são preparados para isso. Por isso, é fundamental que haja articulação entre todos os adultos intervenientes na educação e crescimento da criança/adolescente. Tenho recebido vários miúdos no consultório que foram "salvos" pelos professores e pelos educadores, que detectaram o que possivelmente seria mesmo difícil detectar para os pais, não por serem ausentes ou desatentos, mas porque não têm a formação para o fazer.
Viver tranquilo, em ambientes emocionalmente positivos
Em que ambientes crescem os miúdos? Há tempo para respirar, para parar, para estar a sentir satisfação e prazer pelo dia-a-dia? Por estar numa sala de aula ou ao jantar com a família?
É fundamental para prevenir ansiedade patológica que os miúdos tenham em geral contextos positivos do ponto de vista emocional. Ou seja, contextos e situações em que se sintam satisfeitos, motivados, relaxados e não sempre tensos, ansiosos, irritados e com esse tipo de manifestações (totalmente descobertas ou até incobertas) à sua volta. Por isso, é preciso rever o ambiente de sala de aula e perceber que tipo de expressões faciais e discurso é utilizado, optando por expressões faciais tranquilas, empáticas e acessíveis e um discurso apaziguador, motivador e não ameaçador, sempre focado nas consequências negativas.
Em casa, é preciso trabalhar no mesmo, tentando tornar o espaço de casa e a relação familiar positiva, tranquila, num local onde queremos voltar, ou pelo menos, quando já não apetece voltar porque ficar com os amigos é muito melhor, sentirem que o ambiente é cuidado, saudável e a relação entre os intervenientes adultos é positiva.
Tarefa exigente, sim, mas muito protectora, de quadros de ansiedade patológica.
TEMOS ansiedade! Não SOMOS a ansiedade!
É muito reparador e preventivo, ajudar os miúdos a distinguirem-se da emoção, neste caso, da ansiedade. É na verdade, muito útil também para nós adultos.
Distinguir a ansiedade de quem somos, porque na verdade não somos a ansiedade, temos ansiedade e essa diferença é altamente apaziguadora e permite-nos pô-la "fora de nós".
Deixar andar, evitar, ignorar.
Na ansiedade, para que continue a ser normativa, é importante que haja uma atitude preventiva, que permite que se lide com a ansiedade, que a mesma seja normalizada e que se desenvolva com os miúdos um conjunto de estratégias como aqui refiro para lidar com a mesma. Fingir que não existe, deixar andar sem nada fazer, andar a adiar e depois agir apenas na crise, leva a que a ansiedade se possa mesmo tornar patológica e por isso, mais difícil de lidar. Por isso, fundamental que os adultos sejam preventivos e não ajam apenas em situação de crise.
Cuidado com os miúdos que fazem tudo bem!
Actualmente, sabemos que miúdos que tendem para o perfeccionismo, nunca falhando, sendo bem sucedidos em tudo, com excelentes notas, padrões de exigência altos, que parece que "nunca dão problemas", têm com frequência características e sinais de alerta para o desenvolvimento de uma perturbação de ansiedade. Por isso, quando estamos perante miúdos destes, há que estar próximo, alerta e observar bem, para que não escape uma ansiedade escondida e interiorizada, que já não é normativa.
É um desafio, este da prevenção, de conseguirmos que o desenvolvimento normal não se torne patológico, uma linha ténue divide os dois, mas cada vez estou mais certa que é o caminho: a prevenção. Agir antes, através da informação, da escuta activa, da observação, da presença.
Para que o nervoso (do) miudinho assim continue!
Fonte (magem): http://www.workpuzzle.com/managing-helping-your-agents-feel-less-anxiety-may-be-hurting-them/